Doutor, Quanto devo esperar para ser operado? Análise dos tempos de espera nas operações de transplantes de órgãos do SNS

Doutor, Quanto devo esperar para ser operado? Análise dos tempos de espera nas operações de transplantes de órgãos do SNS

Beltrán Liniers – Voluntário DSSG PT

Definição do problema

A medicina evoluiu muito nos últimos tempos, reduzindo a mortalidade de muitas doenças e aumentando a esperança de vida. Um dos campos onde o avanço da medicina é mais necessário é nos transplantes de órgãos. 

Esta análise foi criada com o objetivo de dar visibilidade ao trabalho dos especialistas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que realizam e colaboram neste tipo de operações.  Outro dos objetivos é ver em que pontos o sistema é forte e em quais precisa de ser revisto, analisando os dados através da teoria das filas. Esta técnica estatística permite ver a saturação de um sistema de esperas, isto é, quanto devem esperar os pacientes para serem operados. Em concreto, dispomos de uma base de dados com a informação do número de transplantes realizados no país anualmente, desde 2011 até 2017 para diferentes órgãos: coração, pulmão, fígado, pâncreas e rim. A informação foi obtida através do portal de internet: transparencia.sns.gov.pt

Para este caso, utilizei o número de pacientes em lista de espera (até ao final de 2017) juntamente com o número de transplantes anuais, para calcular o número de novas entradas no sistema (novos doentes que precisam ser operados). Este deve ser o primeiro passo a realizar, já que nos permite saber se o sistema está saturado e se o ritmo das entradas é superior ao dos transplantes. 

Calculei a taxa de saturação a partir do rácio “Número de entradas” sobre “Número de transplantes”. Quando a saturação é inferior a 1, considera-se o sistema eficiente, se o número de transplantes é inferior ao número de entradas, o rácio é superior a 1, e então o sistema está saturado. 

Neste caso considerei  5 sistemas, um diferente por cada órgão: 3 deles são eficientes, fígado, pâncreas e rim, enquanto que os sistemas do coração e do pulmão estão saturados. Estes últimos devem ser analisados de forma diferente.

A ideia foi representar graficamente o número de transplantes e o número de novas entradas anualmente. Note-se que a linha do número médio de entradas é inferior ao número médio de transplantes, o que indica que os sistemas são eficientes.

Os três sistemas estão bastante perto da saturação, especialmente o do rim.

 

Análise da situação atual

Os principais resultados que quis obter foram o número esperado de pessoas no sistema e o tempo médio de espera. A partir daí, poderei concluir quais são os sistemas com mais carências. Apesar de alguns sistemas não estarem saturados, existe uma lista de espera relativamente grande acumulada dos períodos precedentes. Isto faz aumentar os tempos de espera dos novos pacientes, levando a que o sistema tenha características de saturação.  

Em seguida, analisei os sistemas não saturados, começando pelo fígado. Durante o período de estudo, realizaram-se em média 234 transplantes anuais. No mesmo período de tempo, 223 novos pacientes precisaram de um transplante, o que resultou numa saturação do sistema de 95.1% (Ro). Outro dado importante a destacar é a elevada lista de espera acumulada dos períodos precedentes, 137.  Finalmente, o tempo médio de espera para um novo paciente que precisa de um transplante é de aproximadamente 8 meses.

*Ver Tabela 1 a baixo*

 

O segundo sistema a analisar é o do pâncreas. Anualmente, fazem-se 25 transplantes em média, tendo um volume de entrada de 24, pelo que o Ro é de 94%. A lista de espera tem  37 pacientes. O volume deste sistema é muito inferior ao do fígado, já que a incidência é aproximadamente 10 vezes inferior. Apesar disso, o tempo de espera para ser operado é maior: de 2 anos e 3 meses.

*Ver Tabela 2 a baixo*

 

Por último, estudei os transplantes de rim. Este é o sistema com o maior volume, 481 transplantes anuais em média. Tecnicamente, este sistema está saturado, já que conta com um número de entradas praticamente igual ao número de saídas (transplantes), com um Ro igual a 99%. A lista de espera acumulada dos períodos precedentes é 4 vezes superior ao número de transplantes, o que faz com que um paciente tenha de  esperar quase 6 anos e meio.

 

Porque é que os tempos de espera são tão diferentes entre fígado e pâncreas, se as suas taxas de saturação são tão similares? A resposta está na lista de espera: no fígado, os pacientes em espera representam 60% dos transplantes anuais, enquanto que no pâncreas é de 150%. Para o rim, a taxa de espera em relação aos transplantes é superior aos 400%. Até agora, os três sistemas de transplantes de órgãos analisados indicam várias situações em comum a resolver:  

  •   O elevado número de doentes que estão em lista de espera. 
  •   A taxa de saturação (Ro) que é demasiado próxima a 1. 
  •   A saturação dos sistemas eficientes que ficariam saturados perante uma vaga de novos transplantes.

 

Sistema ideal 

Pretendi apresentar um cenário no qual se aumenta o número de transplantes anuais, com o objetivo de estabilizar a saturação em 90%. Simulando a situação 4 anos depois de se terem implementado as medidas, pude observar as melhorias no sistema. 

No caso do fígado, seriam necessários 247 transplantes anuais, o que implicaria um aumento de 13 (5%). 4 anos mais tarde a situação seria bem diferente, a lista de espera ter-se-ia reduzido de 137 a 41, enquanto que o número esperado de pacientes passaria a 50 e o tempo de espera no sistema passaria a 3 meses.

O sistema do pâncreas só precisa de mais um transplante anual para reduzir a saturação para os 90%.

*Ver Tabela 3 a baixo*

 

No caso do rim, se os transplantes anuais aumentarem em 53, o tempo de espera reduzir-se-ia de 6,4 a 3,7 anos e o número esperado de pacientes no sistema seria 1782.   

*Ver Tabela 4 a baixo*

 

Sistemas saturados

No próximo passo, analisei os sistemas do pulmão e do coração. Lembro que estes dois sistemas estão saturados atualmente. Apliquei a mesma regra para atingir uma saturação máxima de 90% e estudar as filas e tempos de espera.

Começando pelo sistema do pulmão, atualmente, há mais entradas de novos pacientes que transplantes anuais (saídas), pelo que a taxa de saturação é de 1,24. Se se atingir o ritmo de 28 transplantes anuais, conseguir-se-ia estabilizar o sistema com um tempo médio de espera de 1,5 anos. 

*Ver Tabela 5 a baixo*

 

O sistema do coração precisa de mais 9 transplantes anuais para se estabilizar, atingindo um tempo esperado de 4 meses.

*Ver Tabela 6 a baixo*

 

Conclusões 

 Que informações seriam úteis para melhorar as análises? 

  • Especificar o tempo de serviço (duração da cirurgia + tempo em observação). Neste estudo a duração do transplante parece “instantânea”, quando na verdade não é assim. Ter a informação do tempo de serviço ajuda muito para se ser mais preciso nos tempos de espera.   
  • Ter mais dados no histórico. Ter um histórico de mais anos (e mais atual, não só até 2017) permitiria ser mais preciso e até concluir se houve uma melhoria no sistema nos últimos anos.   
  • Ter disponíveis dados sobre mais órgãos.  
  • Obter informação discriminada geograficamente (por hospital/região). Provavelmente os sistemas não estão saturados em todas as áreas do país, pelo que seria bom ter esse detalhe para recomendar transferências e libertar os hospitais mais congestionados.

Como acabamos de ver, os tempos de espera são altos, sobretudo nos transplantes de rim, onde o tempo médio supera os 6 anos. Para os doentes de pâncreas o mínimo de tempo de  espera são 2 anos. Enquanto que para os transplantes de fígado a espera não é tão alta, em 8 meses o doente será operado. 

O facto de haver tantas pessoas a esperar por um transplante de órgão faz com que o sistema tenha comportamentos de saturação, o que se resume a um elevado tempo de espera, que dificulta a vida do doente. Por outro lado, o ritmo de entradas não é muito inferior ao ritmo de saídas. É preciso marcar limites mínimos de transplantes anuais com o objetivo de atingir um máximo de saturação de 90%. Acima deste número, o sistema pode ser ainda eficiente teoricamente (se for inferior a 100%), mas é sensível a possíveis vagas que fariam com que o sistema ficasse saturado.

Estudos como este podem ser úteis para sabermos o tempo que um doente irá esperar, se vale a pena ou se é melhor procurar outra solução.